Os Indiferentes
Antonio Gramsci
11 de Fevereiro de
1917
Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
HTML de: Fernando A. S. Araújo
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
HTML de: Fernando A. S. Araújo
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License
Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel
acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os
apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de
ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é
vida. Por isso odeio os indiferentes.
A indiferença é o peso morto da história. É a bala
de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente
os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a
defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus
guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os
dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua
passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é
aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem
construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca.
O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato
heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa
dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são
muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto
porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os
nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só
a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma
sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é
mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos
que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a
vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se
preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com
visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões
pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com
isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra
chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos,
parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma
erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis,
quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente.
Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se
visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam
piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta
questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer
valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum
ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter
dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente
para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que)
pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos
consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente
desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de
qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes,
não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais
urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo,
são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente
infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer
luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma
responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não
admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela
maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente,
do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser
inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir
com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências
viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a
construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido,
qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas
sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um
pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à
janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um
pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o
sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma
partido, odeio os indiferentes.
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